ECONOMIA
Por EDUARDO GUERINI
Discursos e Intercorrências Sobre a Propalada Crise do Ensino Superior Privado.
Compreendendo como o discurso de “democratização do acesso” está diretamente relacionado com a compra de vagas em instituições privadas via financiamento público para garantir o imperativo do lucro e ensino massificado..
Nas últimas semanas o ensino superior privado brasileiro foi bombardeado por notícias que evidenciaram a disputa acirrada entre os principais grupos educacionais com capital aberto, para finalizar o processo de fusão que envolvia Kroton- Estácio – Ser Educacional. A síntese final teve um forte componente racional estratégico sem qualquer intervenção do Estado brasileiro para regular tais negociações, garantindo a concentração de matrículas no ensino superior presencial e no ensino a distância, fruto da fusão da Kroton/Estácio. Desta forma, o novo grupo contará com 24% do total de matrículas do ensino superior presencial e 49% no ensino à distância.
A complementariedade do compartilhamento das políticas elaboradas e direcionadas pelo Estado brasileiro nas últimas décadas garantiu uma expansão da oferta da Educação Superior no Brasil, com ênfase no crescimento das Instituições de Ensino privadas, transformando a “educação” em mercadoria, com serviços atrelados ao amplo potencial de sinergias orientadas pela demanda do mercado.
O fortalecimento de políticas educacionais indutoras para o projeto privatista permeou diversas gestões do Governo Federal, iniciadas por Fernando Collor, ampliadas por FHC e aprofundadas por Lula, via mercantilização dos direitos sociais, com ações contundentes, tais como, instituição do FIES – Fundo de Financiamento Estudantil (Lei 10.260/2001); PROUNI – Programa Universidade para Todos (Lei no. 11.096/2005), alocando verbas públicas para instituições privadas.
Porém, o decantado bordão “nunca na história desse País”, tão utilizado por Lula (2003-2010), garantiu via PROUNI, a concessão de bolsas de estudo parciais ou integrais para estudantes de cursos de graduação, comprando vagas ociosas em universidades privadas com recursos públicos, justamente nos anos que a ociosidade na oferta estava relacionada com a impossibilidade dos estudantes demandantes pagarem mensalidades com valores discrepantes com a renda média das famílias e estudantes, e, além do benefício dos recursos públicos, o Governo Federal em troca garantia isenção fiscal para as IES privadas (Gráfico 1).
Gráfico 1 – Total de Bolsas PROUNI Parcial e Integral (2005-2014)

No primeiro governo de Lula (2002-2006), a proliferação de IES privadas determinou o desenho institucional da distribuição da matriculas, com 89% de instituições privadas e tão somente, 11% de Instituições Públicas, reforçando a “inclusão massificada pelo mercado”. Diante do cenário de crise em 2009, no segundo mandato de Lula (2006-2010), e, no primeiro mandato de sua sucessora – Dilma Rousseff (2010-2014), o FIES que foi criado no governo FHC, foi utilizado como meio auxiliar para ampliar os créditos educativos de caráter privatista, destinado à concessão de financiamento para estudantes matriculados em cursos de educação profissional e tecnológica, programas de mestrado e doutorado, com financiamento de até 100%, uma benesse que as IES privadas nunca esquecerão (Gráfico2)
Gráfico 2: Total de Contratos FIES – 2009-2014

Com tais instrumentos de financiamento indireto, via alocação de recursos públicos do FIES, PROUNI e BNDES, garantindo não somente a expansão do setor privado, com ampliação de acesso e elevação da lucratividade, o resultado foi a concentração e centralização em grandes corporações de ensino que passaram seu controle acionário familiar para grandes grupos e fundos de investimento nacionais e internacionais com a abertura de capital em bolsa
Recentemente, os sindicatos patronais começaram a regurgitar na mídia nacional uma suposta crise decorrente da queda na oferta de recursos públicos para o FIES/PROUNI, e, propalando nos grandes jornais, a ideia de aumento da inadimplência, enquanto que continuava com força sinérgica os processos de aquisições e fusões.
A suposta crise decorrente da retração de recursos públicos com alongamento dos mecanismos de recompra de títulos do FIES, principalmente no ano de 2015, e, redução da oferta de bolsas para o programa de financiamento contrastam com o crescimento vertiginoso de contratos no período 2009-2014, totalizando 1,9 milhão de contratos assinados. Em 2015, o Governo Dilma limitou o número de contratos em virtude da crise econômica e ajuste fiscal, determinando mudanças de regras e taxa de juros. Atualmente, os estudantes atendidos e contratos ativos, totalizam 2,1 milhões, com verba destinada de R$ 14, 9 bilhões, e, embora as Instituições de Ensino Superior privadas correlacionem queda na oferta de recursos para o FIES e inadimplência, os demonstrativos de resultados das grandes corporações de ensino superior publicados não coadunam tal inferência (Gráfico 3).
Gráfico 3: Taxa de Inadimplência de IES Privadas (2009-2015)

As entidades patronais do ensino superior privado brasileiro, em tentativa simplista de gerar intercorrências corriqueiras entre redução das transferências de recursos públicos e inadimplência, destoam dos resultados crescentes nos grandes grupos empresariais, com elevação substantiva da margem de lucro e EBTDA - "Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização" e mesmo EBDTA ajustada.
A questão observada é o aumento da inadimplência nas pequenas IES privadas (até 2000 alunos matriculados), porém muito inferior a taxa de 12.2% em 2010, e, substantivamente a redução da taxa nos grandes grupos, passando de 10,1% para 7,1%, uma redução que demonstra o movimento de aquisições e concentração empresarial. Nesta intercorrência, os grandes grupos privados e suas entidades representativas tentam fazer do “bife um boi”, garantindo que seus resultados atendam os acionistas majoritários e se traduzam em queda na qualidade da oferta de ensino e precarização das relações laborais.
Enquanto alunos, docentes e funcionários técnico-administrativos sofrem cotidianamente a inadimplência de direitos sociais e trabalhistas, os lucros se elevam e o Estado brasileiro continua irrigando recursos públicos para os cofres privados. Eis o legado de décadas de inclusão pelo mercado e massificação privatista da educação superior brasileira sem qualquer regulação e controle social. Os grandes perdedores são os consumidores e produtores dessa mercadoria especial – a educação.